Sem traumas e sem perdas
Estrat�gia e cuidados ostensivos antes, durante e ap�s a desmama garantem continuidade � produ��o das novas gera��es
Paulo F. Stacchini1
Ao contr�rio dos bezerros de corte, em que o processo de desmama ocorre de maneira bastante lenta (podendo se estender-se at� o nono m�s de vida dos bezerros) e � praticamente natural pela redu��o espont�nea de produ��o de leite das vacas, na maioria das fazendas leiteiras, o processo ocorre mais precocemente e num intervalo de tempo muito mais curto. A condi��o � quase obrigat�ria porque o per�odo de aleitamento corresponde a uma parcela significativa dos custos de recria dos animais. Por essa raz�o, as bezerras leiteiras passam da dieta l�quida para a de alimentos s�lidos, praticamente, na metade dos tradicionais oito meses do gado de corte.
Al�m do menor tempo para a transi��o nutricional, o afastamento inclui v�rias mudan�as de ambiente e de manejo, aumentando o n�vel de estresse dos bezerros. Assim, aumentam as chances de perderem peso, de apresentarem retardo no crescimento e de, em alguns casos, at� mesmo sucumbirem devido �s v�rias doen�as que podem lhes ser fatais. Em fun��o de tudo isso � que a desmama � considerada um grande desafio nas fazendas leiteiras. E entender as mudan�as � fundamental para que produtores, t�cnicos e operadores consigam obter mais sucesso na atividade.
Qual seria, ent�o, o melhor momento para desmamar o gado de leite? Do ponto de vista fisiol�gico e nutricional, � necess�rio que, pelo menos, o r�men esteja suficientemente desenvolvido para que a bezerra possa passar de uma dieta constitu�da de leite para uma puramente s�lida ap�s a desmama. No entanto, o r�men do bezerro rec�m-nascido � praticamente n�o funcional. Isso quer dizer que, em fun��o da forma��o da goteira esof�gica durante o ato de mamar, o leite passa direto para o abomaso (sem passar pelo r�men). Por isso, o animal precisa de alguns est�mulos para estabelecimento da popula��o microbiana, como o consumo de alimentos s�lidos e a saliva��o. Dessa forma, o r�men adquire e desenvolve as papilas ruminais para desempenhar sua capacidade fermentativa e de absor��o de nutrientes (Figura 1).
Figura 1. Desenvolvimento ruminal de bezerras leiteiras em fun��o do regime alimentar
Somente com leite. Leite e concentrado Leite e feno
Fonte: Universidade da Pensilv�nia (EUA)
A idade m�nima para desmama situa-se em torno de tr�s a quatro semanas. No entanto, o consumo de concentrado nesse per�odo n�o atende adequadamente �s exig�ncias nutricionais dos animais mesmo quando ingerido com quantidades restritas de leite (at� 10% do peso vivo). Como consequ�ncia, os bezerros desmamados muito precocemente podem perder peso e os esfor�os feitos no per�odo de aleitamento acabam por ser anulados ap�s a desmama. Por outro lado, desmamar bezerras com mais de 11 ou 12 semanas pode tornar a fase de aleitamento muito onerosa do ponto de vista econ�mico. A idade por si s� tamb�m n�o garante que o animal esteja bem desenvolvido, principalmente quando ele passa por algum processo infeccioso como pneumonia, diarreia ou tristeza, ocorr�ncias acompanhadas por perda de peso e atraso no desenvolvimento corporal.
A partir da d�cada passada, v�rias pesquisas reportaram que maiores taxas de ganho de peso na fase de aleitamento (pelo menos 20% acima dos requerimentos de manuten��o) t�m um significativo impacto na produ��o futura da bezerra, n�o s� na primeira lacta��o, mas tamb�m em lacta��es futuras, (Soberon et al., 2012;Moallem et al., 2010). Tais informa��es redirecionaram os protocolos de aleitamento nas fazendas leiteiras no sentido de aumentar a quantidade de leite ou suced�neo fornecido diariamente visando taxas de ganho de peso maiores e consequente melhoria do potencial futuro das matrizes de reposi��o.
Por�m, ganhos di�rios de peso dessa magnitude s� podem ser atingidos com altas quantidades de ingest�o de leite (aproximadamente, 20% do peso vivo). E quanto mais elevada for a ingest�o de leite, menor ser� a ingest�o de concentrado. Isso significa que, mesmo em programas de aleitamento direcionado para um ganho m�dio di�rio (GMD) entre 700g/dia a 900 g/dia, onde h� fornecimento de leite � vontade ou em grandes volumes (entre 8l/dia e 10 litros/dia), o r�men das bezerras pode n�o estar totalmente adaptado para a dieta s�lida antes dos 60 dias de idade, j� que o consumo de concentrado tende a ser menor do que o observado em regimes de aleitamento mais restritos.
Por esta raz�o, o consumo de concentrado inicial tornou-se, tamb�m, um importante crit�rio para definir se a bezerra est� apta a passar para a dieta exclusivamente s�lida. Em termos de requerimentos energ�ticos, para cada litro de leite retirado, deve haver um aumento proporcional de 250g a 300g de concentrado inicial. Na pr�tica, significa adotar um consumo inicial de 2 quilos de concentrado para cada 7 litros ou 8 litros de leite ingeridos. As recomenda��es da literatura indicam que as bezerras leiteiras est�o aptas a desmama quando atingem um consumo de concentrado inicial superior a 1,5 Kg/dia por, no m�nimo, tr�s dias consecutivos. Por�m alguns autores recomendam que atinjam entre 1,8 kg/dia a 2,0 Kg/dia para que sejam desmamadas por completo.
Estrat�gias de desmama
H�, basicamente, duas estrat�gias de desmama utilizadas nas fazendas leiteiras: a desmama abrupta, em que o leite � retirado da bezerra de uma �nica vez, e a desmama gradual, em que o leite ou susced�neo s�o retirados aos poucos, objetivando um aumento proporcional da ingest�o de concentrado antes do dia da desmama. V�rias pesquisas reportam que a desmama gradual facilita a transi��o nutricional, sem redu��o no desenvolvimento corporal no ganho de peso na fase de crescimento subsequente.
A desmama gradual requer que as quantidades de leite ou suced�neo fornecido sejam oferecidas em quantidades distintas conforme a idade da bezerra, o que requer mais trabalho e aten��o dos operadores quando n�o se disp�e de alimentadores autom�ticos nas fazendas. � preciso que eles consigam identificar e dosar, de forma individual, a quantidade de leite fornecido a cada bezerra a cada semana. E isso nem sempre � muito simples em fazendas com grandes rebanhos e muitas (os) bezerra (os).
Embora as pesquisas demonstrem que h� um acentuado aumento no consumo de concentrado nos dias subsequentes � desmama, nem sempre o aporte de energia e prote�na ser�o mantidos, j� que a qualidade e digestibilidade das fontes de prote�na e energia do concentrado inicial s�o normalmente menores que a do leite ou suced�neo. Por esta raz�o, os protocolos de aleitamento gradual devem surtir melhores resultados que os de desmama abrupta principalmente quando os regimes de aleitamento s�o de altos volumes de leite. � preciso lembrar tamb�m que desmama implica n�o apenas a mudan�a de regime alimentar, mas tamb�m de ambiente e do local de cria��o, passando de alojamento individual para o coletivo em piquetes com pastagens como �nica fonte de forragem. Muitas vezes, em piquetes sem acesso adequado aos cochos e aos bebedouros e as bezerras passam a ficar expostas ao sol e � chuva, o que, muitas vezes n�o ocorria antes, quando eram abrigadas em instala��es cobertas (gaiolas, casinhas ou baias individuais). Al�m de terem muito mais intera��o social, precisam conviver com bezerras mais pesadas e maiores. Assim desmama abrupta � mais uma dr�stica mudan�a e aumenta ainda mais o estresse nessa fase j� dif�cil.
TERCEIRA P�GINA
COMO EVITAR QUE O ESFOR�O V� POR �GUA ABAIXO
Em fun��o dos desafios a que s�o expostas, � importante ressaltar alguns pontos de extrema import�ncia para evitar que as bezerras percam boa parte do ganho de peso da fase de aleitamento ap�s a desmama:
a) A desmama deve ser gradual. A redu��o na quantidade de leite fornecida pode ocorrer nas quantidades ingeridas por refei��o ou pelo n�mero de refei��es. Por exemplo: pode-se reduzir a quantidade di�ria de leite ofertado de 8l para 6l a partir da s�tima ou oitava semana, de 6l para 4l na semana seguinte, e para 2l na �ltima semana antes da desmama, encerrando o processo completamente entre os 70 e 80 dias da bezerra. Nessa fase, a quantidade de concentrado inicial consumido deve ser monitorada. N�o se apresse em desmamar bezerras antes de atingirem o peso programado e consumirem, ao menos, 1,5Kg de concentrado inicial por v�rios dias consecutivos;
b) As bezerras devem receber permanentemente �gua de boa qualidade e seu consumo deve ser monitorado, especialmente na pr�-desmama, uma vez que sua ingest�o est� intimamente associada ao consumo de concentrado inicial. Al�m disso, quanto menos leite ou suced�neo lhes forem ofertados, menos ser�o hidratadas via aleitamento.
c) Utilize um concentrado inicial de boa qualidade (teor de prote�na bruta (PB) de, no m�nimo, 18-19% na mat�ria seca) e evite mudan�as constantes dos ingredientes. O concentrado deve ser palat�vel �s bezerras, j� que s�o bastante seletivas aos alimentos oferecidos. Pesquisas demonstram prefer�ncia por farelo de soja em rela��o a outras fontes proteicas como farelo de algod�o ou fontes de prote�na animal. Concentrados com part�culas muito finas tamb�m est�o associadas ao menor consumo. Ent�o, d� prefer�ncia para f�rmulas texturizadas (com part�culas mais grosseiras) ou peletizadas.
d) Deixe as bezerras, ao menos, uma semana na mesma instala��o individual ap�s cessar o fornecimento da dieta l�quida. Procure desmam�-las em grupos pequenos e em intervalos regulares de tempo. Ao retir�-las das baias ou alojamentos individuais, procure formar pequenos grupos de animais da mesma era/idade e peso, de forma a evitar a competi��o por alimento. Ap�s a desmama, esses pequenos lotes devem permanecer certo tempo juntos para adquirirem habilidades de intera��o social e seguran�a para adentrar em grupos maiores. Lembre-se no seu primeiro dia na escola. Grupos menores de bezerras facilitar�o tamb�m as inspe��es di�rias do supervisor e dos operadores nessa fase cr�tica.
e) Evite realizar a descorna em data pr�xima ou logo ap�s a desmama. Por mais cuidadoso que seja o procedimento, nunca � indolor, e toda dor reflete em menor ingest�o de alimentos. Pelo mesmo motivo, bezerras doentes ou em processo de recupera��o n�o devem ser desmamadas. � importante tamb�m que as bezerras j� tenham sido vacinadas para as enfermidades programadas no calend�rio sanit�rio da fazenda.
f) Introduza forragem de boa qualidade, preferencialmente feno processado de gram�neas, em pequenas quantidades a partir da quarta e quinta semana de vida. Pesquisas demonstram que isso pode ajudar a adapta��o ruminal futura, principalmente das bezerras desmamadas que ir�o para o sistema de pastejo. Procure manter o mesmo concentrado inicial entre duas e quatro semanas ap�s a desmama para favorecer o consumo de concentrado nessa fase cr�tica. O fornecimento de silagem de milho, embora seja um fator de barateamento da dieta, deve ser gradual para adapta��o ao consumo de alimentos fermentados. Preferencialmente, evite fornecer silagem antes dos quatro meses de vida se poss�vel.
g) Como mencionado, em muitas fazendas, a desmama coincidir� com o acesso das bezerras aos piquetes com pastagens e carrapatos, tornando-as bastante suscept�veis a contrair tristeza parasit�ria. Aumente os cuidados de observa��o e atue prontamente para medicar os animais doentes.
Embora a fase do nascimento at� a desmama corresponda a um percentual grande dos custos totais da recria, � uma fase de alta efici�ncia alimentar, pr�xima a 70% (kg de ganho/Kg de MS ingerida). At� na desmama, essa efici�ncia ainda � alta, entre 30-40%, quando comparada a efici�ncia aos 18 meses (7%). Portanto investir nessa fase vale a pena pois o retorno � r�pido e maior que investir numa fase posterior. Ent�o, repense se n�o vale a pena estender 1-3 semanas a desmama e evitar que os ganhos at� esse momento sejam anulados futuramente.
1 Eng. Agr�nomo, Mestre em Ci�ncia Animal e Pastagens (ESALQ-USP) e s�cio diretor da Cowtech Consultoria